Nesta página serão publicados artigos, notícias e acontecimentos diversos do cotidiano, (atuais ou pretéritos) reais ou imaginários, que de alguma forma possam interessar, divertir, ou estimular o pensamento do leitor, convidando-o a um momento de reflexão sobre a vida e suas contradições.
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O texto a seguir é da autoria de D. Murilo Krieger, Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil e foi publicado na Folha de São Pedro, informativo da Paróquia de São Pedro – Arquidiocese de São Salvador da Bahia, do mês de fevereiro de 2017, com uma tiragem de 10 mil exemplares.
Por tratar-se de um artigo muito interessante, de conteúdo atual e oportuno, achei por bem reproduzi-lo no meu site, com o objetivo de ampliar a sua divulgação para além das fronteiras de Salvador, mesmo levando em conta o reduzido número de visitas deste nosso humilde comunicador virtual.
“VIVER NA ERA DA PÓS-VERDADE”
“Anualmente, a Universidade de Oxford elege uma palavra que defina aquele ano. No final de 2016, o termo escolhido foi “pós-verdade” (“post-truth”), empregado já em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Nem o Aurélio, o Houaiss ou o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, registra essa palavra. Por ela procuram-se definir circunstâncias nas quais os fatos objetivos têm pouca importância. O que vale são os apelos à emoção e a crenças pessoais. A verdade como tal estaria, pois, perdendo sua importância; o fato torna-se secundário; importantes são as reações – isso é, como o fato é recebido e que emoções ele desperta.
É grave uma situação em que se deixa de levar em conta a distinção entre o certo e o errado, o bom e o mau, o justo e injusto, os fatos e as versões, a verdade e a mentira. Entra-se, então, numa era em que predominam as avaliações fluidas, as terminologias vagas ou os juízos baseados mais em sensações do que em evidências. Passa a ser verdade aquilo de que gostamos, que escolhemos e difundimos, torcendo para que tenha a maior repercussão possível.
O que muito contribui para o avanço daquilo que a palavra “pós-verdade” representa são as novas tecnologias de informação e comunicação. Tudo é imediatamente transmitido, repartido e globalizado. Não há mais tempo para se checar se o que recebemos é verdadeiro; o importante é que seja o quanto antes partilhado e multiplicado. Mentiras são construídas de forma sofisticada, com ares de verdade, e são difundidas por um exército de simpatizantes. Com isso, o bom nome de muitos é destruído de forma rápida e cruel – pior, a difamação é envolvida por um ódio que assusta. Voltaire entendia disso: “Menti, menti, que alguma coisa permanecerá!”. Goebbles, chefe da propaganda nazista, dizia algo semelhante: “Uma mentira repetida mil vezes vira verdade”. Não é segredo para ninguém que as redes sociais são um campo aberto e fértil para a difusão de histórias e “fatos” que não precisam ser comprovados; basta que sejam bem apresentados.
Tendo ouvido Jesus lhe afirmar “Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade; todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37-38), Pilatos lhe perguntou: “O que é a verdade?”. Mas o governador romano não estava interessado na resposta; tanto assim que, feita a pergunta, afastou-se. Venceu a mentira e um inocente foi condenado.
Pode-se aplicar à palavra “verdade” o que Cecília Meireles aplica à palavra “liberdade”: “não há ninguém que a explique e ninguém que não a entenda”. O mundo precisa de pessoas que sejam verdadeiras no agir e no falar – inclusive, e principalmente, no uso das redes sociais”.
Salvador (BA), 05 de fevereiro de 2017
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A Águia Ferida
Gérson de A. Matos
Salvador (BA), 12 de setembro de 2001
Onze de setembro de 2001. O mundo inteiro viveu momentos de perplexidade, incredulidade e comoção, quando a maior potência mundial, a República dos Estados Unidos da América, foi surpreendida por uma série de atentados terroristas perpetrados em diversos pontos do país, deixando um rastro de destruição que, sem dúvida alguma, jamais será esquecido em razão da sua magnitude.
Naquela manhã de terça-feira, a cidade de Nova Yorque despertou em meio aos rumores do que se supunha ser o início de uma terceira guerra mundial. Por volta das oito e quarenta e cinco da manhã, horário local, um Boeing 767 da linha comercial, pertencente à United Air Lines, com 65 passageiros a bordo, chocou-se de frente com a torre norte do World Trade Center, à altura do 80º andar. A princípio acreditou-se tratar-se de um acidente. Todavia, exatamente dezoito minutos após o primeiro impacto, outro Boeing 767 também pertencente a uma empresa americana, conduzindo 92 passageiros, atingiu em cheio a torre sul do complexo empresarial, destruindo-a parcialmente. Só então o povo e as autoridades tomaram conhecimento de que quatro aviões de empresas americanas haviam sido sequestrados e que as colisões foram causadas por atentados terroristas suicidas.
O pânico apoderou-se das pessoas que se encontravam dentro e nas imediações das torres gêmeas, no momento em que as chamas e a nuvem negra de fumaça se alastraram. Pessoas desesperadas acenavam das janelas das torres, implorando por um socorro que jamais chegaria. Outras se atiravam pelas janelas na tentativa de evitar maiores sofrimentos, abreviando a morte que se aproximava lenta e inexorável. De repente, a torre norte começou a ruir estrepitosamente de cima para baixo, causando a sensação de uma visão dantesca aos olhos incrédulos dos atônitos observadores daquela catástrofe. Minutos depois, a torre sul também desmoronava como se implodida por uma poderosa carga de explosivos.
Enquanto em Nova Yorque o Corpo de Bombeiros, a Polícia e demais organismos de salvamento se mobilizavam, em meio à densa nuvem de poeira, para salvar o maior número de vitimas possível, em Washington outro avião explodia sobre o Pentágono, destruindo quase que totalmente o âmago da inteligência norte-americana. Em apenas duas horas, os símbolos do poder econômico e militar da mais poderosa nação do mundo estavam reduzidos a escombros. A águia estava ferida. Os brios do império americano, também. Ainda um quarto avião sequestrado sobrevoava o Estado da Pensilvânia, dirigindo-se talvez a um novo alvo de importância estratégica do país, quando foi acidentado, indo cair a 120 quilômetros de uma pequena cidade, sem deixar sobreviventes. Cogitava-se que este último aparelho tivesse sido alvejado por caças americanos, com o objetivo de abortar um terceiro atentado de proporções também imprevisíveis. Descobriu-se posteriormente, através de gravações de telefonemas dos passageiros, que estes, recolhidos à parte traseira da aeronave, votaram por um ataque aos terroristas, cujo desfecho culminou com a queda do aparelho.
Episódios como este suscitam dúvidas quanto à eficiência do sistema de segurança dos Estados Unidos. É inacreditável, embora as evidências tenham mostrado o contrário, que o país mais rico e poderoso do mundo, constantemente jurado e ameaçado por membros de organismos internacionais terroristas, tenha se deixado levar pela displicência, comprometendo a segurança do seu povo. É certo que a democracia, por sua própria característica de liberdade, fragiliza as instituições mantenedoras da ordem pública. Não obstante, é inaceitável que uma potência respeitada internacionalmente pelo poder que exerce sobre as demais nações do globo, encontre-se em determinado momento tão vulnerável nos seus pontos estratégicos, a ponto de permitir que quatro aeronaves, portadoras da sua própria bandeira, sejam simultaneamente sequestradas em aeroportos domésticos de grande porte, para servirem de mensageiras da morte e da destruição.
As ações desses terroristas são merecedoras do nosso repúdio, da nossa mais veemente reprovação, mas até certo ponto compreensíveis desde que não houvessem culminado com o sacrifício de milhares de vidas inocentes. Lamentavelmente, os protagonistas desse teatro do horror agem sob o efeito do ódio, profundamente arraigado e longamente reprimido nos seus interiores, decorrente da parcialidade e discriminação do exercício do poder quase supremo do Império Norte-Americano sobre suas pátrias. Condenamos, sim, essas ações. Mas tão somente pelo fato de elas atingirem na sua maior parte pessoas inocentes, resguardando os verdadeiros responsáveis por estes e outros cataclismos, que na realidade são desencadeados pela desmedida e desenfreada ambição humana, ambição esta, também existente nos países de origem dos terroristas. Lá, eles deveriam buscar a solução para os seus problemas, apurando as responsabilidades dos seus governantes.
Que esses acontecimentos sirvam de exemplo aos chefes de todas as nações, principalmente àqueles governantes das republiquetas ocidentais que se encontram abaixo da linha equatorial. A estes, que pela indolência se acomodam sob o jugo do poder maior e abrem mão dos interesses do seu país em detrimento da sua população, o nosso repúdio. A estes, que trocam a dignidade dos seus compatriotas pelas migalhas dos poderosos a fim de se manterem num poder sem soberania, o nosso alerta. Os ocidentais do sul não têm vocação beligerante nem terrorista, mas são também seres humanos. E como tal, têm tolerado toda espécie de vilipêndio por parte dos seus governantes. Mas até quando resistirão passivamente a essas injustiças?...
Não temos dúvida de que este lamentável episódio, de consequências ainda imprevisíveis em todos os seus aspectos, servirá para abrir os olhos daqueles que não querem enxergar a real situação da humanidade, comprimida cada vez mais entre as muralhas da miséria, da ambição e da ganância dos poderosos. Esperamos que os Estados Unidos, sensibilizados diante da catástrofe de que foram vitimas no último dia onze de setembro, num gesto de dignidade reformulem os seus conceitos de política internacional e econômica, objetivando a integração social dos povos que vivem sob o estigma da miséria e da degradação. Só assim, a tão almejada paz poderá ser alcançada.
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Coisas do Rio I
Gérson de A. Matos
Rio de Janeiro (RJ), abril de 1986
Certo dia, levei o carro a um mecânico que conheço na Rua Itapiru – Rio Comprido, para corrigir um defeito verificado na ignição.
Como o eletricista do mecânico não tinha ido trabalhar naquele dia, ele me levou a outra oficina próxima da sua e me apresentou a outro eletricista, o qual me atendeu com presteza e eficiência.
Satisfeito com o atendimento, paguei pelo serviço e resolvi gratificar o meu mecânico pela boa indicação que me fizera.
Ao retornar à oficina fui informado de que ele havia saído para desenguiçar um carro a uns 500 metros dali, na mesma rua. Imediatamente, dirigi-me para o local.
Lá chegando, parei o veículo com dois pneus sobre a calçada, desci, retirei do bolso uma cédula de CZ$ 10,00 (dez cruzados) para entregá-la ao mecânico, quando um guarda da PM saiu do outro lado da rua e veio em minha direção.
Ao vê-lo aproximar-se e temendo que ele fosse reclamar por eu haver estacionado sobre a calçada e bem embaixo de um semáforo, tentei distrair sua atenção perguntando: − Posso deixar o carro aqui por um instante enquanto...
Antes mesmo de eu terminar a frase, fui interrompido pelo guarda, que disse: − Não tem importância. Pode deixá-lo aí mesmo. E, aproximando-se mais um pouco, pegou sorrateiramente a cédula de 10 que eu tinha na mão e foi saindo de fininho. Resultado. Sem querer, paguei CZ$ 20,00 de gorjeta.
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COISAS DO RIO II
Gérson de A. Matos
Rio de Janeiro - Rj, 1980
Todos os anos, no mês de dezembro, acontecia o encontro de confraternização dos funcionários da Agência do BNB no Rio de Janeiro. Normalmente nos reuníamos em uma casa de “show”, ou em um dos restaurantes da cidade, para comemorar os bons resultados financeiros da Agência.
Naquele ano da década de 80, o local escolhido pelo Gerente, Sr. José Maria Vieira de Castro, foi a Churrascaria Rincão Gaúcho, no Bairro da Tijuca, onde o radialista e apresentador de televisão Osvaldo Sargentelli apresentava o “Show As mulatas que não estão no mapa”.
Era uma verdadeira festa. Sentados em volta das mesas reservadas para nós, comíamos churrasco e bebíamos um chopinho geladíssimo, delicioso, daqueles que não só os bons restaurantes, mas até os botecos denominados de “pés sujos” do Rio de Janeiro sabem servir.
O “show” de mulatas havia terminado e nós continuávamos comendo, bebendo e aproveitando o ambiente descontraído da churrascaria para jogar conversa fora.
Atrás do local onde eu estava sentado, havia outras mesas e outros grupos que também faziam a sua festa de confraternização. Os componentes de uma dessas mesas falavam alto, gargalhavam, comiam, bebiam e se divertiam a valer. A animação provocada pelos efeitos do chope e de outras bebidas era geral.
Foi nesse momento que aconteceu um fato inusitado: um pedaço de costela bovina, ainda coberta por uma grossa camada de carne, levantou voo lá detrás e veio aterrissar bem no meu prato.
Meus colegas riram a bandeiras despregadas com o acontecimento. E eu, por um instante fiquei atônito, mas não me deixei intimidar. Incontinenti e sem olhar para trás, peguei o objeto voador já identificado e arremessei-o por cima do ombro na direção de onde ele veio. Até hoje não sei onde foi parar. Sei apenas que toda vez que encontro algum dos colegas participantes daquela nossa confraternização, relembramos o momento, comentamos sobre a minha reação inesperada e caímos em boas gargalhadas.
No Rio, tudo pode acontecer.
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A morte do Vale
Gérson de A. Matos
Salvador (BA), junho de 1975
...E vieram as máquinas, barulhentas, esfumaçantes, semeando a morte no verdor das plantações viçosas.
E a morte trouxe nova vida ao vale. A vida brotou do seio do amor proibido nas madrugadas silenciosas.
...E foram-se as máquinas e a vida ficou. Mas voltaram as máquinas e novamente ceifaram a vida. E o vale morreu.
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A Guerra das Malvinas
Gérson de A. Matos
Rio de Janeiro (RJ), junho de 1982
Cessa o troar dos canhões; calam os gritos de avante! Silencia o ronco dos motores; serenam as águas do oceano; cessam os rumores da guerra. Reina, finalmente, a paz no Atlântico Sul. Os Estados Unidos levantam o bloqueio econômico imposto à Argentina, e a Inglaterra devolve os 593 prisioneiros argentinos que ainda mantinha sob sua guarda.
Tudo voltou ao normal, como se nada tivesse acontecido. Os soldados ingleses retornaram a sua pátria como heróis, os argentinos foram mandados de volta a sua terra, vencidos e humilhados. Em ambas as nações a vida retoma o seu rumo, o qual fora momentaneamente interrompido pelo gesto impensado de um déspota. Em ambas as nações os governos tornam a dirigir as atenções para os problemas econômicos que já os afligiam antes da guerra.
Mas será que tudo voltou realmente à normalidade? Será que os argentinos apagarão repentinamente da memória a mancha de sangue ainda gravada na mente de todos os povos que assistiram à distância o inútil combate das Malvinas? Será que o retorno à aparente normalidade e o aparente esforço envidado na reparação dos danos causados ao povo argentino conseguirão obnubilar a razão daqueles que tiveram seus entes queridos arrebatados brutalmente do seio da família a ponto de fazê-los esquecer o ocorrido? Não parece provável que isto aconteça, pelo menos em curto prazo. A perda de entes queridos não se esquece com facilidade, principalmente quando esta perda é consequência de atos arbitrários praticados pela irracionalidade de pessoas estranhas e indesejáveis.
O mundo inteiro testemunhou e na sua história ficará registrada a insensatez de um governante, que na cega obsessão do poder não hesitou diante da decisão de empurrar jovens compatriotas para uma luta desigual. O conhecimento antecipado da derrota era evidente. Porém, era necessário desviar as atenções do povo, da irremediável crise que o país atravessava.
Qual seria o objetivo senão este? Por que sacrificar vidas inocentes, se o Arquipélago das Malvinas é formado por ilhas de terras improdutivas? E ainda que produtivas, não justificariam o sacrifício de tantas vidas. Por que então provocar um conflito cujas consequências e efeitos tão somente negativos eram nitidamente previsíveis? Somente a desmedida ambição, a insaciável sede de poder, justificam tal ato.
O que mais causa estarrecimento é saber-se que o responsável por esses atos danosos continua impune. Perde o poder, mas permanece livre. E a História tem demonstrado que elementos dessa espécie podem, a qualquer tempo, recuperar o poder e repetir a façanha. É lamentável que a sociedade, que cria tais indivíduos, não seja capaz de alijá-los para sempre do seu meio.
Que a Guerra das Malvinas sirva de lição para todos os povos e que a força jovem de todas as nações do planeta se conscientize da importância dos princípios democráticos para uma convivência pacífica, fundamentada na justiça e equidade de direitos. Pois somente onde há democracia pode haver consenso. E somente onde há consenso pode-se evitar arbitrariedades que culminam com o sacrifício inútil de vidas inocentes.
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Paradoxo
Você sabe o que é paradoxo?
É pagar propina a criminosos sob a forma de delação premiada, para que eles denunciem pessoas que, supostamente, pagaram ou receberam propina em transações escusas, prejudicando o Estado.
Se os delatores são bandidos, réus confessos, por que premiá-los com redução de pena quando deveriam aplicar cem por cento das penalidades a eles imputadas? Que credibilidade têm essas delações se elas são feitas por marginais com o simples objetivo de obter as benesses da Justiça?
Esse artifício – a delação premiada − evidencia a cumplicidade da justiça com esses marginais, a injustiça da lei, ou a incompetência (no sentido de incapacidade) do Estado de proceder às investigações com sua própria inteligência, para, após julgamento e condenação, conduzir todos os culpados à prisão a fim de que paguem pelos seus crimes.