I
Meus vinte e dois anos
Gérson de A. Matos
Itajuípe ‒ Bahia, junho de 1962
Completei, ontem, vinte e dois anos
De uma vida solitária e rude.
Tentei vivê-la feliz, porém não pude,
Pois fui vencido pelos desenganos.
Hoje, no entanto, a felicidade
Bateu-me à porta. Sou feliz então.
Pois amo alguém em cujo coração
Encontro a plenitude da bondade.
Este nobre coração que menciono,
Despertando-me de um profundo sono,
Veio mostrar-me quanto vale a vida.
‒ Queres saber qual é? Eu te direi.
É o teu coração, minha querida,
O da primeira mulher que eu amei.
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II
Em Busca de Ilusões
Gérson de A. Matos
Coaraci ‒ Bahia, janeiro de 1965
Qual caminheiro errante, no deserto,
Em busca de perdidas ilusões,
Com a alma ferida por mortais paixões,
Eu vou vagando com meu passo incerto.
De Deus, cumprindo as determinações,
Tragando o agro cálice da vida,
Prossigo, embora tenha a alma ferida,
Em busca de perdidas ilusões.
Até o dia em que o esperado
Golpe fatal da morte, enfim, chegado,
Desse amargor me venha libertar.
Com a alma ferida por mortais paixões,
Eu deixarei as minhas ilusões
E partirei para não mais voltar.
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III
Resignação
Gérson de A. Matos
Coaraci ‒ Bahia, março de 1966
Ah! Quão ingênuo fui, acreditando,
Merecer teu amor ‒ minha ventura.
Ah! Como suportar a mágoa dura
Que sutil vem meu peito penetrando?
Recusaste-me! E o pranto disfarçando
Fiz reprimir em mim a desventura.
E fui seguindo a senda da amargura,
Riso nos lábios, coração chorando.
Mas a resignação que em mim floresce
Diz-me em silêncio: esquece a mágoa, esquece.
Por que sofrer? Foi Deus que assim o quis.
E este coração que ainda te ama,
Que a cada instante inda por ti reclama,
Voltou a rir por te saber feliz
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IV
Altivez
Gérson de A. Matos
Salvador ‒ Bahia, dezembro de 1971
Fere-me a alma, ó dor! Rasga-me o peito,
Continua o teu látego a vibrar.
Vibra mais forte, deixa-me desfeito!
Que mesmo assim, não me verás chorar.
Dilacera-me o corpo, ó sofrimento!
Deixa-me à mostra o coração ferido.
Que ainda assim não ouvirás um só momento
Do meu peito, escapar nenhum gemido.
Sei resistir aos males. Sei sofrer.
E toda a minha vida hei de viver
Unido ao pedestal da minha fé.
Com Deus, vou caminhando lado a lado.
E quando, enfim, meu dia for chegado,
Morrerei, sim, mas morrerei de pé.
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V
Débil Esperança
Gérson de A. Matos
Coaraci ‒ Bahia, junho de 1966
A centelha de amor, que tu julgaste
Extinguir-se com o tempo, propagou-se.
Contrariando, assim, o que pensaste,
Em chama crepitante transformou-se.
Tomou tal proporção, que no meu peito,
Meu coração se abrasa ao seu calor.
E geme e chora e pulsa insatisfeito,
Sem ter ninguém que lhe amenize a dor.
Mas... Quem sabe? Talvez a mesma chama
Que ora meu coração somente inflama,
Possa querer tocar de leve o teu.
E ele abrasado desse amor fremente,
Talvez resolva vir, humildemente,
Ardendo de paixão, unir-se ao meu.
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VI
Recordações
Gérson de A. Matos
Rio de Janeiro, outubro de 1984
Sinto saudade dos vergéis floridos,
Dos belos dias das manhãs de sol,
Sinto saudade dos serões de amigos
Ao se encontrarem, da tarde, no arrebol.
Sinto saudade dos bosques, das colinas,
Da brisa a sussurrar nos matagais.
Sinto saudade do verdor da infância,
Da minha infância que não volta mais.
Quando me lembro dos rios, das cachoeiras,
Do quente sol das tardes de verão,
Da rede armada à sombra das palmeiras,
Da folha seca a resvalar no chão...
Quando me lembro do cantar alegre
Da saracura nos verdes pantanais,
Sinto saudade do verdor da infância,
Da minha infância que não volta mais.
Sinto saudade do luar de prata,
Do badalar do sino na igrejinha,
Do arrolo triste do inhambu, na mata,
Quando da noite, o manto se avizinha.
Sinto saudade da casa da fazenda,
Dos bois mugindo à tarde nos currais.
Sinto saudade do verdor da infância,
Da minha infância que não volta mais.
Hoje, distante do torrão amigo,
Ao contemplar as luzes da cidade
E ao ver, nas ruas, pobres sem abrigo,
Da terra onde nasci, sinto saudade.
Quando ao fitar, de longe, os edifícios
Sem cumeeiras, sem telhas, sem quintais,
Sinto saudade do verdor da infância,
Da minha infância que não volta mais.
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VII
O Sentido da Vida
Gérson de A. Matos
Rio de Janeiro, dezembro de 1984
Se a vida fosse um lago azul, sereno,
Sem ondas, sem rochedos, sem procelas,
Onde frágeis batéis, ao vento ameno,
Pudessem navegar com frouxas velas...
Se tudo fosse bem, tudo bonança,
Se não houvesse fome, ódio, guerra;
Se em vez de todo o mal que nos alcança,
Somente a paz reinasse sobre a terra...
Se não houvesse a angústia de uma ausência
Sempre presente a nos roubar a calma!
Não fosse esse torpor, essa demência
A confranger-nos o mais fundo d’alma...
Se todo o amor e paz que há no mundo
Fossem ofertados a nós sem luta e dor,
Eu morreria mil vezes num segundo,
Por que a morte é a vida sem labor.
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VIII
Sonho
Gérson de A. Matos
Coaraci ‒ Bahia, abril de1965
Ali estavas, frente a mim, sorrindo,
Qual uma ninfa vinda do deserto.
Eu, temeroso, então, cheguei mais perto
E trêmulo beijei-te o rosto lindo.
E na paixão ardente que sentia
Suguei teus lábios, rubros, sorridentes,
E a dormir, continuei contente,
Sem saber, no entanto, que dormia.
Subitamente tua linda imagem
Desfez-se em brumas, qual uma miragem,
E nesse instante eu acordei tristonho.
Olhei em volta, já não mais te vi.
E com imenso pesar eu descobri
Que tudo isso não passou de um sonho.
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IX
Contraste
Gérson de A. Matos
Rio de Janeiro, julho de 1984
És menina e mulher; aura e tormenta,
Botão de rosa às vezes, às vezes flor adulta.
És dor que faz sorrir; és brado que acalenta,
Letrada no viver. No amor, inculta.
És angústia e prazer, pranto e sorriso,
Trilha do bem, caminho de perdição;
Deusa e demônio, inferno e paraíso,
Inspiração de amor, ódio e perdão.
És catedral altiva, algumas vezes,
Algumas vezes, solitária ermida.
És solidão nas horas de alegria,
És alegria nas horas de partida.
És minha glória, meu céu e meu calvário.
És, enfim, a razão da minha vida.
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X
Porque não vi você
Gérson de A. Matos
Salvador ‒ Bahia, dezembro de 1971
Andei por terras distantes,
Distante da minha terra.
Vi mares, rios, vi montanhas,
vi amor, vi paz, vi guerra.
Vi sofrimentos, tristezas,
Vi alegria também.
Vi rosas. Mas vi espinhos.
Vi tudo, e não vi ninguém.
Ninguém!... Você se admira.
Não viste ninguém? Por que?
Porque nas terras distantes,
Vi tudo, e não vi você.
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XI
Fatalidade I
Gérson de A. Matos
Rio de Janeiro, março de 1985
Atravessei rios profundos
de águas turvas e geladas;
transpus montanhas e
intrincadas florestas
povoadas de ferozes animais;
galguei penhascos escarpados
e naveguei por tenebrosos mares
em meio a procelas e rochedos.
Enfrentei mil perigos e
saí vitorioso.
Tropecei num fio de carretel,
cuja fragilidade não suportaria
o peso de uma flor.
Caí.
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XII
Fatalidade II
Gérson de A. Matos
Rio de Janeiro, março de 1985
Veio a vida e disse: viva
Veio a dor e disse: chore
Veio o amor e disse: ame
Veio o ódio e disse: odeie
Veio a alegria e disse: cante
Veio a paixão e disse: sofra
Veio a morte e disse: morra.
E o homem viveu,
chorou,
amou,
odiou,
cantou,
sofreu,
morreu.
Viveu?...
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XIII
Tormento
Gérson de A. Matos
Rio de janeiro, novembro de 1985
É noite.
Em volta, tudo escuridão.
Vejo apenas sombras.
As sombras do meu pensamento
vagam errantes, indecisas,
pelos labirintos da minha mente.
No meio delas, um vulto
assume forma definida ‒ é ela.
Posso ver nitidamente o seu rosto.
Parece tão real, que tento tocá-la.
Afasta-se, não consigo mais vê-la.
Logo depois reaparece
como a querer martirizar-me
com a sua presença irreal.
Sinto calafrios e tremores
E toda a minha alma é invadida
Por uma terrível angústia,
a angústia de não poder abraçá-la.
São eternos instantes de desespero,
de ansiedade.
Adormeço, as sombras se esvaem.
Desperto com o clarão do sol
a iluminar-me o rosto.
Há tanta luz! Mas eu me sinto ofuscado.
Na intensidade da luz,
só vejo a escuridão.
E voltam errantes, indecisas,
as sombras do meu pensamento
a vagar
pelos labirintos da minha mente.
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XIV
Porque sorri
Gérson de A. Matos
Salvador (BA), 05 de março de 2017
Abri as asas da imaginação,
Soltei meu pensamento e disse: voa!
Vai buscar um punhado de alegria
Pois estou muito triste e vago à toa.
No momento em que falei, foi-se a tristeza,
E comecei a sorrir. Então pensei:
Será que o pensamento está pensando
Que pensei que ele pensou no que pensei?
E nessa confusão de pensamentos
Esqueci-me de lembrar porque sorria.
Voltando, o pensamento assim falou-me:
Eis aqui seu punhado de alegria.
Naquele instante de arrebatamento
Tornei a descobrir porque sorri.
Vi tua imagem no meu pensamento.
Vi que sorri, porque pensei em ti.